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quarta-feira, julho 13, 2011

Navegação do Parnaíba, Um Imperativo.

São Paulo é a locomotiva do Brasil, responsável por gerar 35% da riqueza do país, mesmo abrigando menos de 20% da população. Com ampla área de terras férteis e com clima ameno, São Paulo logo cedo desenvolveu uma agricultura próspera e, nos anos 50, chegou a representar mais da metade do PIB brasileiro.

O sucesso de São Paulo pode ser visto no porto de Santos, o maior do país, pela maior e melhor malha viária e pela cidade de São Paulo, uma megalópole com mais de 20 milhões de habitantes, um colosso em todos sentidos e um magneto que atrai gerações de piauienses em busca de uma prosperidade que seu estado lhes nega.

Mas São Paulo foi uma vitória contra a geografia, limitada pela Serra do Mar que faz com que a estreita área de planície costeira suba abruptamente para mais de 800 metros já na capital, distante poucas dezenas de quilômetros de Santos. A falta de rios navegáveis, a necessidade de desbravar um interior em lombo de animais, construir estradas caras, tudo isso foi o fruto de muito trabalho e a ciência de que os solos do interior do estado representavam a prosperidade a ser perseguida.


O transporte rodoviário é caro e, no caso da maior parte do sul do Brasil, ainda existe o complicador de ter uma planície litorânea estreita seguida por severas barreiras geográficas, que fizeram que a construção de nossas estradas fosse um desafio de várias gerações. Falta ao sul do Brasil rios navegáveis, não restando outra opção senão o transporte por caminhões das commodities agrícolas, um contra-senso, fosse outra a situação, posto que este é 30 vezes mais caro que o fluvial. A única via fluvial desenvolvida, a Bacia do Prata, segunda maior rede de rios navegáveis do continente americano, foi parcialmente perdida para a Argentina, Paraguai e Uruguai no processo de independência nacional.

Nos anos 50 o esforço de interiorização do país começa a dar certo e ganha corpo com a transferência da capital para Brasília. O pacote tecnológico comprado pela Embrapa aos EUA foi adaptado com sucesso aos cerrados e o agricultor brasileiro consegue domar esses solos pobres e ácidos, conseguindo safras recordes uma atrás da outra. A eficiência da escala ameniza o custo de transporte e permite a acumulação de capital. O interior do Brasil vira uma potência econômica e ajuda a consolidar o sentimento de nação.

Mesmo com todo sucesso, somando-se o volume de carga dos 7 maiores portos brasileiros, ainda assim o porto de Nova Orleans, alimentando pela rede fluvial do Mississipi, movimenta mais cargas; todos os portos brasileiros juntos movimentam menos tonelagem que os portos de Houston e Nova Orleans. Isso porque o transporte fluvial é o fator que permite a maior acumulação de capital por seu baixíssimo custo. Os grandes centros financeiros da Europa são todos eles núcleos financeiros de um sistema fluvial, Paris do Sena, Londres do Tâmisa, Cracóvia do Vístula, Frankfurt do Mena e assim por diante

Pari passu, nossos líderes estaduais, talvez ofuscados com a prioridade nacional de construir estradas, permitem que o rio Parnaíba, nossa estrada dada pela Natureza, seja destruído como via comercial. Precisamos reafirmar nosso projeto de Estado. Temos um rio caudaloso, longo e com uma rede de afluentes que permitiria facilmente integrá-los inclusive com o Rio Tocantins, tornando-se a principal via de transporte de toda safra agrícola do sul do Piauí, Maranhão, Tocantins, atingindo ainda até o norte da Bahia, potencializando as trocas, a acumulação de capital e a prosperidade de nossa região.

Biomas de nossa região, em rosa cerrados, em amarelo a caatinga. Retirado de http://mapas.ibge.gov.br/biomas2/viewer.htm .


Não custa lembrar que se em 60kilômetros de Santos a São Paulo tem de se superar 800 metros de altura, os 250 km de Parnaíba a Teresina representam apena 200 metros num aclive suave, nossa região tem em média menos de 400 metros de altitude. Nossos solos são predominantemente de Caatinga, um solo de alta fertilidade, temos os cerrados ao sul do Estado, água não nos falta nem nos rios nem no ciclo de chuvas, que se é curto em muitas áreas, não é seco ao extremo, além de pantagruélicas reservas subterrâneas.

Imagens falam por mil palavras, copio abaixo um mapa retirado do Atlas preparado pela Codesvaf que pode ser obtido em http://www.codevasf.gov.br/principal/publicacoes/publicacoes-atuais/planap/ . Vejam a rede de tributários do rio Parnaíba. Barragens para regularização de nível e fluxo, canais de navegação, tudo isso a humanidade já constrói há alguns milênios, não será a engenharia que nos privará de transformar boa parte desses sistema em vias navegáveis.
Vale também ler o Plano traçado pela Codesvaf, conquanto ele não considere que a navegação do Parnaíba é a ferramenta mais importante para o desenvolvimento da região e, por isso, trace planos pouco ambiciosos para nosso estado. Mais ainda, aconselho a todos a lerem a apresentação do engenheiro Cid de Castro Dias no site da Agência Nacional de Transporte Aquaviário (em http://www.antaq.gov.br/Portal/pdf/Palestras/PalestrasRioParnaiba09/NavegabilidadeRioParnaiba.pdf ) onde podemos ver vários dados obtidos do estudo da JICA de meados dos anos 90. Nessa apresentação podemos notar como precisa de pouco para que o rio volte a ser navegável e, mais ainda, como é um investimento viável dentro dos padrões internacionais.

Não é muito lembrar que cuidamos do que é importante para nós, não há o menor risco de extinção dos bovinos, eles são nosso alimento, enquanto o mico leão dourado luta para se manter como espécie viva. Nosso rio Parnaíba vem sendo muito maltratado, a resposta tem sido de criar áreas de preservação que, além de não terem impedido a degradação, nos impedem de recriar o uso econômico e racional do rio. Essa variável precisa ser abordada sem paixões, de maneira serena e no maior interesse de nosso futuro digno.

Investir no Parnaíba não fará do Piauí um estado rico da noite para o dia, mas ainda é a maneira mais barata de viabilizar a acumulação de capital necessária para nos tirar do atraso econômico e social. Negar nossa herança natural, nosso potencial para ser muito mais do que somos, é um pecado de que seremos cobrados pelos nosso filhos e netos.

terça-feira, junho 28, 2011

A Geografia do Meio-Norte e a Importância Econômica do Rio Parnaíba

Ao longo da história inúmeros impérios, reinos e países despontaram economicamente e militarmente e marcaram a humanidade. Nos últimos séculos a concentração de capital e poder, grosso modo, vincula-se com terras férteis e meios de comunicação e transporte de baixo custo. Duas das áreas mais ricas do mundo podem ser diretamente relacionadas às premissas anteriores: o norte da Europa e os Estados Unidos.

A Planície do Norte da Europa, extensa área que vai do centro-norte da França até Moscou, é beneficiada com sete grandes rios navegáveis e seus tributários, terras férteis e poucos obstáculos geográficos. Essa planície é adequada para o comércio, que por sua vez leva à acumulação capital. Não é a toa que o norte da Europa tem uma concentração de capital infinitamente superior ao sul da mesma Europa que se caracteriza por inúmeras barreiras geográficas e poucos rios navegáveis. O norte da Europa é a região de maior concentração de capital do mundo.1


No mesmo sentido, a grande planície de terras férteis e com o rio Mississipi correndo de norte a sul por mais de 3 mil kms, com uma extensa rede de tributários entre o Apalache e as Rochosas, foi onde os EUA construiu sua riqueza.

A navegação no Mississipi é de tal forma importante para os EUA que é o exército que gerencia o sistema de inúmeras barragens e comportas que permitem o escoamento da safra agrícola americana e o recebimento dos insumos para suas fábricas. O porto de Nova Orleans é, até hoje, o porto de maior volume nos EUA, ele despacha 52 milhões de tons por ano e recebe outros 57 milhões de tons, sendo o 5o maior porto do mundo. 2


Por causa do rio Mississipi, os EUA compraram a Lousiana dos franceses e conquistaram o Texas dos mexicanos. A descoberta do petróleo no Texas, que hoje faz com que tenha o maior pib dentre os estados norte americanos, só veio a reforçar o papel estratégico de Nova Orleans.

Então voltamos nossos olhar para o meio-norte do Brasil, região de desenvolvimento tardio, que até hoje briga para encontrar um espaço nas cabeças pensantes do país. As políticas se resumem a distribuição de renda, construção de estradas raquíticas e pequenos incentivos fiscais e financeiros para a iniciativa privada.

O tesouro geográfico dessa região segue sem ser notado, cuidado e promovido. Temos terras relativamente planas e férteis, matas menos densas que a amazônica, um rio caudaloso e extenso com possibilidade de se conectar por canais a vários outros. Os feitos agrícolas do sul do Piauí e Maranhão, com safras super produtivas de grãos, as descobertas minerais, a enorme reserva de gás na bacia do Parnaíba, o petróleo que se sabe existir na região de Barreirinhas até a Ilha do Caju, tudo isso somente reforça a certeza do destino geográfico de nossa região, o meio-norte existe para ser uma potência econômica, não o pior IDH do país.

O Rio Parnaíba tem 1334km de curso, potencialmente todo navegável, interrompido aproximadamente ao meio, na cidade de Guadalupe, pela barragem da Boa Esperança que, conquanto tenha regulado o fluxo do rio a montante, impede a continuidade da navegação por nunca terem concluído suas eclusas, estando a obra  parada desde 1982.

Pela Tese de Doutorado da Dra Júnia Motta Napoleão do Rego3, aprendemos que existe registro histórico de 1699 de uma Carta Régia ao Governador de Pernambuco mandando estudar o Parnaíba e promover a povoação de suas margens. Em 1789 o Governador da Capitania, João de Amorim Pereira, escreve sobre a importância de deixar o Parnaíba livre de transtornos à navegação que desanimam o comércio. Em 1843, o Governador Sousa Ramos se indaga surpreso como um dos maiores rios do país segue sem uso e nota como isso impacta na prosperidade da região. São mais de 300 anos sem que a elite política e econômica da região tenha conseguido construir um consenso e um projeto de utilização do potencial econômico do Rio Parnaíba!


Nas atas da Associação Comercial de Parnaíba, tem registrado, ainda em 1919, a frustração de uma comitiva de comerciantes parnaibanos que rumara para a capital pretendendo conseguir apoio para construção do porto marítimo da Amarração, tendo sido considerado pelos comerciantes Teresina como desimportante para o Estado, logo não penhoraram apoio. Essa obra se arrasta ainda hoje, quase 100 anos depois desse documento, elegeu vários candidatos ao governo do Estado, tal como a recuperação da ferrovia e a construção das eclusas.

A partir da segunda metade do século XIX, mesmo contando somente com o porto das barcas, a navegação a vapor se estabelece no Rio Parnaíba e dura até fins da década de 50, cerca de 100 anos, que transformaram Parnaíba num polo econômico nacional, rica a ponto de ser uma das primeiras cidades do Brasil a ter uma agência do Banco do Brasil (23a), ainda em 1909, uma das primeiras cidades com iluminação pública e sistema de telefonia no nordeste. Com produtos como o babaçu e a carnaúba, Parnaíba estava entre os principais centros geradores de divisas, sendo que a carnaúba foi, até 1971, um dos dez principais itens da pauta de exportação nacional.

A riqueza gerada pelo Parnaíba permitiu também à elite comercial da cidade financiar grandes obras de melhoramento como o canal de São José e o dique da Quarenta. Percebe-se na riqueza desses anos nostálgicos na memória do norte do Piauí, o potencial econômico de uma via fluvial.

A decadência da cidade e da região pode ser diretamente ligada ao declínio da navegação no rio e à frustração da construção do porto marítimo. Ainda hoje o Piauí é dependente do dinheiro estatal para girar sua economia. Vivemos na era dos micro projetos de construção de cisternas, aumento dos bolsistas do programa de complementação de renda, operação tapa buracos e coisas afins, que, se servem para remediar a pobreza, nunca nos tirarão dela.

Nosso líderes precisam resgatar a capacidade de comunicar para nós, o povo, uma visão clara de futuro. As propostas que ainda hoje são trazidas à tona nos discursos são todas velhas de mais de 4 décadas e frutos de um projeto ainda mais antigo, que, de tão bem construído e comunicado, permanece válido e lembrado. Mas não podemos aceitar que 40 anos não tenham obrigado a uma reflexão, crítica e evolução desse projeto que elegeu tanta gente (porto, aeroporto, estrada de ferro, eclusas).

O Parnaíba poderia ser interligado aos rios Itapecuru, Mearim, Grajaú que, junto com o Rio Balsas e outros afluentes menores, transformariam essa rede de canais no principal escoamento das safras agrícolas dos cerrados do meio norte e até de grande parte do centro-oeste, dos minérios e hidrocarbonetos recentemente em início de extração.

Com o porto marítimo de Luís Correia, os canais do Parnaíba permitiriam que nossa região cumprisse seu destino geográfico de ser próspera e dinâmica e não fornecedora de mão de obra barata e de baixa qualificação para o sul. Todas essas obras tendem a ser menos complexas e mais proveitosas que a transposição do São Francisco, só nos falta uma visão de futuro e o comprometimento com o projeto.

-x-
2Mais sobre Nova Orleans veja http://www.stratfor.com/new_orleans_geopolitical_prize para assinantes
3Em http://www.historia.uff.br/stricto/td/1279.pdf a Tese “Dos Sertões aos Mares: História do Comércio e dos Comerciantes de Parnaíba (1700-1950) foi aprovado com Louvor na Universidade Federal Fluminense